sábado, 9 de julho de 2011

Bye-bye, Brasil! [Carla Cintia Conteiro]

09/07/2011. DE SÃO PAULO.

As manchetes dos jornais são desesperadoras para os intelectuais que, como disse Joãozinho Trinta, ao contrário dos pobres, gostam de miséria. Lembra daquele filme de Cacá Diegues em que um grupo mambembe vê seus espaços tomados pela televisão enquanto percorre um Brasil que muda rapidamente, no final dos anos 70? Pois, neste início de milênio, encaramos uma nova realidade a se descortinar diante de nós. Além talvez do impacto da tecnologia de hoje, tão ou mais brutal do que a anestesiante TV, diversos fatores mudam a cara do Brasil.

O diário informa que Juazeiro do Norte, no Ceará, conta com sete universidades, tem sex shop e temakeria. A classe C incha à medida em que os populares galgam degraus da pirâmide social rumo à classe média. O Nordeste já não é aquele tão caro aos cineastas. As ONGs fecham suas portas no país, porque já não é fácil arrecadar fundos em prol de necessitados cada vez menos numerosos. Para provar que eles ainda existem, essas organizações promovem excursões para os cantões mais desgraçados da cidade e do país. É preciso ir lá ver antes que acabe.

Uma grande empresária tem planos de enviar de volta para o nordeste os seus funcionários migrantes que assim o desejarem. Lá, sua rede de lojas se expande a passos largos, e a empreendedora economiza em treinamento, fazendo seus funcionários felizes ao retornarem para sua terra natal, para perto de seus familiares, e com emprego de Sul Maravilha.

Quando eu era criança, festa junina carioca tinha um sinônimo: festa caipira. A gente ouvia o fole de Gonzagão, mas também tinha Aroldo Lobo (“Pula a fogueira”), Lamartine Babo (“Isto é lá com Santo Antônio”), João de Barro (“Capelinha de melão”), etc. Pode ser que eu não tenha ido à festa onde isso ainda toca, mas por onde ando, só se ouve forró. Bem mais condizente que o pop e o funk que andaram reinando há alguns anos, mas hegemonia sempre me incomoda e faz ao menos pensar. Todas as matérias sobre as festas juninas deste ano retratam cidades nordestinas, comidas típicas nordestinas, os sons nordestinos. O Nordeste definitivamente está na ordem do dia. Sem mencionar a conexão direta daquele pedaço do país com a Europa, num movimento tão expressivo que periga ser ela a onda causadora do avanço do mar devorador sobre suas praias. Aquele sotaque carregado, aquele vocabulário seco, mas rico de elementos de um português arcaico, ainda impregnado de espanhol – como em “petcho” e “otcho” – vira cult, “muderno”, sexy. Descobriram que o Nordeste não é mais exportador de mão-de-obra, é público consumidor.

As quadrilhas se profissionalizaram, embora depois de um bom quentão todo mundo acabe se animando para um anarriê improvisado. E os remendos das roupas da fantasia “caipira”? Sumiram. Transformaram-se em assunto pretérito, de um Brasil rural que vivia na penúria. Hoje quem dá bobeira numa ruazinha do interior corre o risco de ser atropelado por um carrão de filme americano.

Enquanto isso, nas grandes cidades do Sul e Sudeste, as “nem” e os “mano”, as “mina” e os “lekes” conectam-se com o mundo e aprendem sobre tudo aquilo que a classe média tinha tanto medo que eles descobrissem. Não querem ser a mocinha que dorme no emprego, como a mãe deles foi, sem descanso remunerado, sem férias, sem hora extra. Não aceitam o emprego de peão de obra, como o pai; aspiram salubridade, segurança, carteira assinada e ar condicionado. Ao contrário dos remediados tradicionais, que viam-se representados e acolhidos na imprensa durante os anos de chumbo, e ainda não perceberam que os ventos mudaram, o Homo Rider não está hipnotizados pelo sistema porque sempre foi ludibriado e aprendeu a desacreditar. Eles não estão presos na caverna de Platão. Buscam as respostas entre seus pares, nas ruas, numa rede de confiança. Para falar com essa gente é preciso parecer um deles. A estética “Esquenta” antropofagicamente devora a estética da fome.

Os problemas acumulados por mais de 500 anos não sumirão num passe de mágica e novas questões hão de surgir. Mas é com satisfação que aposento a Caravana Rolidei e pego um táxi pra estação lunar.

Fonte: Crônica do Dia 

Nenhum comentário: